terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Mitos republicanos pouco invictos

Existe uma minoria ruidosa na minha terra – o Porto – que faz gáudio da Revolução de 1820 e, em especial, do 31 de Janeiro. Como é uma minoria de intenções mais ou menos bem definidas, querem falar em nome dos outros cidadãos e em nome da cidade dizendo que por esse motivo ela ama a liberdade. Neste último ponto estão correctos, penso eu. O que posso acrescentar é que, devido a essa fama, tenha sido a Invicta um joguete de interesses que lhe foram e são alheios e prejudiciais.
Se não vejamos: após 1820, Mousinho da Silveira lançou mão a uma chuva de decretos administrativos mais centralistas, macrocéfalos e burocratas do que a França de Luís XIV – mas desta vez sem ênfase no monarca mas sim num corpo estatal controlador e formatado em Lisboa – tirando toda a autonomia municipalista que até aí o Porto e outros burgos gozavam. Vá lá que a decretite aguda foi atenuada em 1823 e foi-lhe posto cobro na Vilafrancada passados poucos anos.

Quanto ao 31 de Janeiro, a jactância republicana esquece-se que a intentona, envolvendo alguns intelectuais, muitos deles nem do Porto eram, e alguns militares mal preparados e mal remunerados teve como causa não a inspiração da Comuna de Paris, não o anarco-sindicalismo proudhoniano nem o primeiros ventos marxistas, mas sim um facto tão singelo e inevitável mas também tão triste como o Ultimato inglês que deitava por terra pretensões portuguesas de mapas cor de rosa no Ultramar e abalou o orgulho nacional.
Por outro lado, como já tive oportunidade de aqui referir, a Monarquia, que é dizer o País, estava em fase de letargia decadente, dado o caciquismo e o rotativismo partidário que denegria a imagem da classe política e subsequentemente da Coroa. A República, essa desconhecida, da qual os ecos revolucionários, ruidosos e pouco definidos, diziam maravilhas, apresentava-se como a revolução regeneradora para alguma juventude civil e militar mais instintiva e temperamental do que culta e reflexiva.
Claro que o Regime em vigor aproveita esta página para criar mais alguns mártires e tentar construir uma cronologia que tenha eventos e intentonas significativos antes do momento decisivo.
Mais significativo talvez seja o facto de um dos principais ideólogos da revolta, João Pinheiro Chagas – membro destacado do Partido Republicano ao qual aderiu desde os tempos do Ultimato, e desde aí um dos mais importantes ideólogos do conceito de "República Liberal" –, após a Implantação da República, ainda em 1910, se ter demitido da sua representação diplomática por acentuadas discordâncias com o governo de então e em 1911 o governo por si chefiado não ter durado mais de dois meses...
Texto publicado no Estado Sentido

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